Sobre Rockman X Dive, viagens e a efemeridade das coisas


    O anúncio do encerramento dos servidores de Rockman X Dive não me pegou tão de surpresa. Já era algo comentado por jogadores mais atenciosos ao perceberem a falta de conteúdo inédito. Eu mesmo havia percebido isso. Era lógico supor que estávamos diante do fim, e o fim se confirmou. Mesmo assim, o anúncio me atingiu com mais força do que eu esperava que atingiria. Em partes pelo jogo, em partes pelo contexto. Explico.

    Esse anúncio me fez viajar no tempo, justamente para o momento em que Rockman X Dive havia sido lançado. Ou melhor, o momento em que sua demo fora disponibilizada. Este seria meu primeiro contato com o jogo, e eu estava realmente empolgado para jogá-lo. Não tem como eu não me empolgar com um novo Mega Man, mesmo sendo um jogo mobile. Mas essa não era minha única empolgação no momento. Eu, nascido no interior de São Paulo e vivendo em Maceió - AL por causa da faculdade, estava há um bom tempo longe de casa. Para a minha alegria, em poucos dias eu viajaria para rever meus amigos e família. Encontrá-los depois de tanto tempo seria revigorante, e tudo isso somado a vinda de um novo Mega Man era o suficiente para me deixar extremamente positivo. 

    Claro, nem tudo seriam flores. Pela falta de dinheiro, tive que optar por fazer a viagem de ônibus e não de avião. Logo, o trajeto que seria cumprido em três horas de voo durou dois dias de estrada. Quase todo o percurso percorrido sem internet, e o primeiro dia de viagem fora justamente o primeiro dia da beta. Como é de se imaginar, não joguei muito, mas dado o contexto isso não era um grande problema. O jogo era real, a viagem era real, tudo terminaria bem. Ou quase. 


    De fato, nada demais aconteceu na viagem. Vi família e amigos, joguei a demo e gostei do que vi. O jogo, lançado em contexto de pandemia, fora uma ótima válvula de escape em momentos de enorme preocupação, mesmo que na prática tenha se mostrado um jogo menos consistente do que minhas expectativas me fizeram desejar. Inclusive, na época, eu o comparava muito com Castlevania Grimoire of Souls, de proposta parecida, mas com execução geral mais sólida. E ainda assim eu me diverti, dediquei horas e até estive em rankings altos. Até que cansei. Do jogo e de quase tudo. 


    A vida as vezes é complicada. Relacionamentos que pareciam certos se tornam difusos. Uma faculdade que era encarada com otimismo passa a pesar como um fardo. A vontade de criar raízes vira a vontade de fugir. E entre todas essas preocupações, eu jogava. Muitas vezes, jogava Rockman X Dive. Nunca consegui recuperar o ritmo inicial, mas sempre tive “picos” de jogatina, ainda mais em momentos de “eventos”. Jogos gatcha sabem muito bem lidar com a expectativa de recompensas, e quando as recompensas vinham de maneira justa e sem gasto monetário, era divertido. Cansativo, rotineiro e formulaico, mas divertido.


    Rockman X Dive tem como um de seus méritos os seus eventos. Neles, sempre tínhamos versões reimaginadas de fases e personagens, dando espaço para que os mesmos nos dessem vislumbre de suas personalidades e habilidades. Para quem só gosta de jogar Mega Man, coisas como essa podem ser bobas e descartáveis. Mas para quem, assim como eu, gosta dos personagens, isso é puro ouro. Claro, nem todos os eventos eram divertidos, e versões meramente sexualizadas das personagens não me apelavam, as vezes até incomodavam. Ainda assim, me peguei organizando dias baseado em aproveitar melhor os eventos do jogo, e quando isso passava do ponto, era o momento em que eu parava de jogar. A vida tem outras obrigações, para bem ou para mal. 


    E eis que chega o dia de hoje, com o jogo em iminência de se encerrar, e eu em iminência de viajar de novo para São Paulo. Dessa vez, para ficar. A faculdade? Quase terminada. Relacionamentos? Mais ou menos na mesma. E Rockman X Dive, que antes me dava oi, agora me dá tchau. Uma hora iria acabar, assim como minha faculdade e a vida que a cercava. Essa é a natureza de se mudar para estudar, e essa é a natureza de jogos baseados em conectividade online. Mas se sabemos disso, por que ainda nos sentimos mal quando a hora chega? 


    Seriam relacionamentos tão efêmeros quanto jogos gatcha? Teremos que reviver Zygmunt Bauman e criar o conceito do “jogo líquido”? Minha boa e velha fita de Mega Man 3 que comprei na infância funciona até hoje. Mesmo que meu velho e cansado "famiclone" não seja mais usado, ele ainda está comigo, e se eu quiser jogá-lo, posso ter a mesma experiência que sempre tive nele. Mas Rockman X Dive não poderá me acompanhar por muito mais tempo. Não como ele é hoje. Ele irá embora no mesmo sopro que o trouxe a vida. Mesmo que ainda haja a versão ocidental do jogo, mesmo que fãs criem um server “pirata”. Mesmo com o anúncio de uma versão "offiline". Não será a mesma coisa, mesmo que seja o mesmo jogo. No fim das contas, a viagem e o jogo realmente combinam. Jogos como X Dive, no fim das contas, são como estar na estrada. A cada segundo que se passa a paisagem muda, assim como o jogo. O presente é efêmero e transitório. E uma hora acaba. Pois então, por mais que não tenhamos a paisagem ideal, que saibamos apreciar o que há de belo nela antes que fique tudo para trás. 


Até a próxima, Player-san!


    Obs: quando escrevi esse texto, ainda não havia sido feito o anúncio da versão offline de Mega Man X Dive, então de fato, mesmo com o cancelamento, nem "tudo" será perdido. Fiz algumas adaptações, mas o espirito do texto veio de antes do anúncio, ainda mais por achar que vale a reflexão. E o registro.

 

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