Trabalhei com crianças por quatro anos. E para os fins desse portal, posso dizer que esse tempo foi sim, bem proveitoso. É bastante divertido perceber quais são os gostos e qual o conhecimento delas sobre cultura pop e video-games. E alguns casos que eu presenciei até renderam artigos aqui no Rockman Central, como esse aqui. Hoje desenterro mais uma história curiosa. Ao oferecer alguns livros para duas meninas, ambas os vasculharam até que um deles lhes chamou atenção: era "Os três mosqueteiros". Achei interessante a escolha, pois gosto quando crianças optam por histórias com um quê de aventura. Mas o vislumbre passou rápido, ao passo que uma delas disse uma simples frase. Mas sua espontaneidade disse muito: "Os três mosqueteiros? Que chato, achei que eram as três mosqueteiras". Não, nenhuma delas se chamava Nina ou era ninguém menos que Albert Einstein, isso realmente aconteceu. E de fato, nada extraordinário aconteceu em sequência. Sem saberem que estavam diante de uma história clássica, ambas ignoraram o livro e seguiram a procura de sabe-se lá o que. Depois de tanto tempo, já não faço a menor ideia de qual livro elas acabaram escolhendo. Mas uma coisa ficou bem clara: elas queriam uma garota protagonista. E não apenas isso, queriam uma figura de ação. E eu gostaria muito que a equipe de produção dessa nova animação estivesse comigo vendo essa cena.
Foi mal Dumas, não foi dessa vez |
Antes de seguir, gostaria de constatar o óbvio: esse não será mais um texto xerocado sobre a importância da representatividade. Não faltam blogs repetindo a mesma argumentação para que eu me dê ao trabalho de escrever mais um. O ponto aqui é ligeiramente diferente. Em 1987, video-games eram vistos como um brinquedo para garotos. Como Mega Man é uma série japonesa, eleve isso ao quadrado. Eu já comentei aqui sobre como a Roll foi concebida originalmente como mais uma "mocinha indefesa", e o quando a série ganhou com essa ideia sendo descartada. Mas tão descartado quanto isso foram os outros usos que Inafune tentou dar para a personagem, mas que a Capcom vetou. O resultado? Nos seis primeiros jogos, só temos duas personagens femininas nomeadas: Roll e Kalinka. E por mais que eu goste das duas, elas não haviam feito nada de muito efetivo até então. Na série X, as coisas não mudaram. Uma personagem feminina só apareceu no quarto título da série, e seu feito mais notável foi... Morrer. A série Legends foi a primeira a mostrar personagens femininas dentro da ação. E fez isso com personagens dos dois lados: Roll Casket e Tron Bonne não estavam nos jogos a passeio. Mas a Roll original seguiu mais ou menos na mesma. Hora navegadora, hora vendedora na lojinha, Roll é sempre uma presença garantida nos jogos. E seu carisma sempre agrega bastante. Mas é raro ela participar da ação, e isso só torna mais surpreendente seu climax em Mega Man 10 (sem spoilers aqui, mas quem jogou sabe que ela não se deixou abater pela Roboenza). Fora ela, a única personagem feminina a fazer parte da ação foi Splash Woman em Mega Man 9. Que foi extremamente bem aceita. Mas antes dela, quais personagens da série buscavam se ligar com o público feminino?
Splash Woman |
A questão aqui não é dizer se existem ou não garotas que gostam de Mega Man. Elas existem, e elas não necessariamente precisam de uma personagem feminina para gostarem dos outros personagens já existentes, da jogabilidade, level design e o que mais vocês quiserem. A questão é que é difícil de negar que isso ajuda a ligar esse público com o jogo. Ainda mais se falarmos em crianças. Como comentei acima, esse não é um texto sobre como as crianças precisam de personagens assim para se sentirem importantes e essas coisas que infindáveis textos dizem quando tentam justificar o consumo de produtos da indústria cultural (acordei Frankfurtiano hoje, me desculpem). Aqui é questão de simplesmente admitir essa faceta consumista da indústria cultural. Mega Man precisa voltar a vender, e se existe demanda para garotas aventureiras, entreguem elas ao público. Roll está a anos sendo sub-aproveitada, e por essa animação ser livremente inspirada nos jogos, ela aceita certas mudanças com mais facilidade. Quando a Archie Comics pôs suas mãos em Mega Man, tratou de criar uma Robot-Master e uma cientista para tentar atrair esse público e equilibrar o clube do bolhinha que é o elenco da série clássica. E mesmo a Roll mostrou-se bem ativa, sendo muitas vezes a figura mais sagaz dessa HQ. Eu gosto da Roll, e me bastaria isso para querer vê-la ganhando destaque. Isso não traria nenhum prejuízo, mas sim muito lucro, tanto em caracterização de personagens, quando em dinheiro mesmo. E em todos os pontos - que são relevantes, ao contrário do que eu possa ter feito parecer - que vocês já leram várias vezes em todos esses textos sobre representatividade.
0 Comentários:
Postar um comentário