Desde o anúncio da participação de Mega Man em Super Smash Bros
for Wii U/3DS e do anúncio de Mighty nº 9, a comunidade de fãs de Mega Man voltou a ser ativa, de forma semelhante a como ela costumava ser antigamente, mesmo que em proporção menor. Projetos relacionados a Mega
Man começaram a aparecer em larga escala, e o fã médio conseguia - mesmo que de
maneira cética - recuperar a fé no futuro que tivera outrora. Só que para
alguns, tal momento de epifania já começa a caminhar em direção a um possível
colapso, principalmente no que tange os projetos encabeçados por Keiji Inafune.
Mighty n° 9 mesmo já se tornou um barril de pólvora, no qual cada notícia
relacionada a ele se torna um campo de batalha entre seus comentaristas,
situação essa que é bem diferente da época em que o jogo foi anunciado. E
fazendo um mea culpa, nem é mais possível culpar apenas extremistas e
"haters" pelas posições mais negativas. Os adiamentos,
campanhas extras e excesso de exposição da marca fizeram com que houvesse uma saturação,
criando assim um certo clima de indecisão quanto ao futuro de Mighty no. 9. E
nesse contexto fomos apresentados a Red Ash, o novo projeto de Keiji Inafune que mostrou o climax dessa incerteza que ele mesmo alimentou.
Quem acompanha a carreira do Inafune já
deve saber que ele tem um grande complexo por Mega Man
Legends nunca ter feito um grande sucesso. O que inicialmente surgiu pela
pressão comercial da Sony para que fosse criado um Mega Man 3D para o
Playstation, rapidamente cresceu e se tornou um projeto um tanto autoral, cheio
de inspiração nas obras do estúdio Ghibli e outros clássicos da animação japonesa. Mega Man Legends foi
pensado como um épico de aventura, com grande liberdade para explorar seu
mundo, e com uma certa leveza narrativa que o tornou um jogo memorável. Mas
isso nunca se refletiu em sucesso comercial, e se pensarmos que ele competia
espaço com ninguém menos do que The Legend of Zelda: Ocarina of Time, fica fácil
entender por que ele terminou ofuscado. O que não impediu que uma continuação e
uma side-storie de Mega Man Legends fossem criadas, ambas igualmente sem
grandes vendas. É difícil apontar exatamente o porque disso, mas o motivo mais
recorrentemente apontado é o fato do jogo ter saído muito tarde. Em 2000, o
Mega Man Legends 2 teria de competir com jogos de Playstation 2, o deixando ainda mais
ofuscado que o seu antecessor. E como era de se imaginar, a franquia Mega Man seguiu em
frente, e com o crescimento de outras séries como Mega Man Zero e Battle
Network, se tornou difícil encontrar um espaço para a série Legends tentar
florescer. Mas a obstinação de Inafune não parou por aí, e o projeto de um Mega
Man Legends 3 acabou sendo iniciado praticamente dez anos depois do segundo. Por uma série de desavenças entre a Capcom e Inafune (que até hoje não foram totalmente esclarecidas), Mega Man Legends acabou sendo cancelado, a contragosto de Inafune, dos fãs, e de quase todos que acompanhavam o projeto, mantendo assim a série Legends em um limbo que parece não ter saída. Esse é provavelmente um dos momento mais baixo da carreira de
Inafune, e ele deixou claro que faria praticamente qualquer coisa para dar um fim a esse impasse. E fez, através de Red Ash. Mas o momento e a forma como isso foi feito foram as melhores?
O cancelamento de Mega Man Legends 3 teve um impacto negativo não apenas nos jogadores, mas no próprio Inafune |
Analisando a recepção que Red Ash vem recebendo, a resposta é um
indigesto não. Primeiro, temos que encarar alguns fatos: Mega Man Legends nunca
vendeu bem, e por muito tempo foi uma série extremamente mal vista dentro do
fandom de Mega Man. Olhando para o fandom nacional por exemplo, o portal "Mundo de Rockman" dava avaliações um tanto quanto negativas para a série, e a
sensação que se tinha era que os membros do fórum não tinham uma opinião muito
diferente da do blog. É até possível dizer que, dentro do fandom de Mega Man, o
fandom da série Legends se assemelhava a uma minoria excluída pelas
"castas superiores". Mas existia um grupo de fãs, e existia uma certa
demanda para um novo jogo da série, pois mesmo que boa parte dos jogadores não gostasse dela, ainda havia uma pequena demanda por mais. O fato da personagem Tron Bonne ter vários fãs ajudou nesse quesito. Mega Man Legends 3 atingiu em cheio esse
público, e o fez ganhar maior visibilidade e aceitação entre os fãs de Mega Man. Hoje é
perfeitamente normal algum fã de Mega Man dizer que tem em Legends sua série
favorita, mas isso não era tão comum a anos atrás. E as causas disso são diversos, sendo até
complicado tentar afirmar algum com a devida solidez. Mas uma coisa que se pode especular que aconteceu é que, além de revitalizar a antiga base de fãs que a
série já tinha, Legends 3 acabou atraindo novos jogadores para Mega Man
Legends. Afinal, não é para isso que lançamentos servem? Pois bem, quem jogar
Mega Man Legends hoje vai perceber que a série não tem um fim absoluto, e Mega
Man Legends 3, se não fosse ao menos retomar totalmente a série, iria ao menos fechar as
pontas dos jogos anteriores e dar uma sensação de finitude ao material. É
engraçado, pois muitos até o classificaram como "sucessor espiritual"
dos antigos Mega Man Legends, algo novo feito para dialogar com os antigos, quase como um exercício de metalinguagem. Só que como todos sabemos, o jogo foi cancelado,
a série Legends continuou no limbo, e as perguntas sem resposta nunca tiveram
tanto peso quanto antes.
E essa é uma das falhas de Inafune com Red Ash. Ele
não responde essas perguntas, não fecha a saga. Mesmo que o jogo seja cheio de
referências indiretas ou diretas, elas não teriam o peso da oficialidade de um novo Mega Man
Legends. Os fãs não queriam um sucessor espiritual, queriam uma resposta, um
fim. Essa é a diferença crucial entre
Mighty Nº 9 e Red Ash. A série clássica, mesmo
acabando em aberto, tem nada menos que onze jogos da sua linha principal, mas
outros cinco do Gameboy. E se eles não bastarem, há
inúmeros spin-off
expandindo seu universo e aumentando o background de seus personagens. Sem
contar as adaptações para outras mídias. Mesmo que a série ainda esteja em aberto,
por causa de tamanhos lançamentos e de sua natureza mais episódica, o
conteúdo lançado até agora consegue ser satisfatório, não obrigatoriamente
demandando continuações. Algo como Mighty No. 9 soa até como uma nova oportunidade,
um quase reboot com outro nome. Mas não é assim com Legends. Além do fato de
que a série Legends é a segunda da franquia com menos títulos (dois da linha principal e uma side-storie, além de alguns jogos para celular sem muito peso)
esses jogos não passam uma sensação de final. É algo que por exemplo, os fãs de
Mega Man Starforce não costumam se queixar. É o tipo de coisa que um sucessor
espiritual não tem poder de resolver de maneira direta, assim como Bloodstained
não irá suprir a necessidade dos fãs de Castlevania de ver a "batalha de
1999" (e espero que não tentem fazer isso) em forma de jogo. E aparentemente, Inafune não percebeu isso, ou
percebeu e simplesmente negligenciou, e as recepções um tanto mornas do jogo só
reforçam que em ambos os casos, Inafune foi imprudente. E essa imprudência pode custar caro.
Tron Bonne tem um fandom considerável, principalmente no Japão |
Red Ash pode até ser bom, mas será que ele é o que os fãs queriam? |
A série clássica possui tantos jogos a ponto de que a maioria das pessoas não vai saber identificar o jogo dessa imagem |
Outra ideia errada foi lançar o jogo junto de uma campanha
no Kickstarter. Alguém se
lembra da segunda campanha de Mighty no. 9? Se não se lembram, ela foi uma
campanha aberta para que fossem inclusos mais extras no jogo, como dublagem
(que no meu ponto de vista não deveria ser um extra, mas ok) e a DLC da
personagem Ray. Além disso, os que doassem nessa nova campanha poderiam acessar
o fórum do jogo - que é restrito aos doadores - e ainda levariam uma cópia do jogo como
pré-venda, dependendo do valor que doassem. Não era um mal negócio, e atrairia
muita gente que deixou a primeira campanha passar, mas tantas acusações foram feitas que a Comcept se sentiu obrigada a
mostrar um orçamento do valor que pediam, e se explicaram várias vezes de que o
dinheiro arrecadado na primeira campanha seria usado para que o jogo tivesse
todo o conteúdo prometido, nem mais, nem menos, e que essa seria só um extra e
algo para os fãs que perderam a campanha original. Não estou aqui para fazer
juízo de valor do Inafune e seus projetos, mas o que posso dizer é que essa
nova campanha só rendeu má reputação. Foi desonesto? Não vejo dessa forma, mas
do ponto de vista do marketing ela foi uma má ideia. Agora me digam, vocês
ainda acham que foi esperto - dado esse contexto - lançar uma nova campanha no
Kickstarter? Seria muito melhor esperar Mighty No. 9 sair, que caso ele fosse
bem recebido, o público se tornaria bem mais flexível e mais amplo em relação a nova campanha. Porém, o
que aconteceu foi que iniciar essa campanha agora só aumentou a insegurança
acerta de MN9. Além de não se promover, prejudica o que já estava em curso. Ponto negativo
para Inafune.
A Fuze Enterainmente - que apadrinou a produção do jogo - também não inspirou muita confiança nos jogadores |
Mas isso significa que eu acredito que Red Ash será ruim?
Não, tampouco significa que eu torça para o jogo ser ruim. Agora que a chinesa Fuze o apadrinhou, temos certeza de que ele será de fato lançado, e eu torço mesmo para que ele seja um bom jogo, faça sucesso e que meus
temores aqui não se concretizem. A questão é que um projeto mal pensado tem a
tendencia a não dar certo, e nesse caso em questão, ele tem potencial para desencaminhar o que já estava encaminhado. Inafune está se tornando errático em seus projetos, e se não perceber isso logo, pode acabar se tornando a razão de um possível fracasso deles. O que eu torço é que o bom e velho "Inafking" volte a nos trazer bons jogos, mas talvez para que isso aconteça seja
necessário que ele sofra um choque de realidade. E se o preço para que isso acontecesse fosse Red Ash não ter saído vitorioso de sua campanha no Kickstarter, então digo que esse era um preço que eu estava disposto a pagar. Por isso não torci pelo jogo, apesar de que hoje eu passei a torcer. Espero que todos esses erros tenham servido de "choque de realidade", e que a partir de agora tudo volte ao seu lugar. E caso Red Ash não se saia bem, espero que Inafune tenha maturidade de aceitar que seu projeto da série Legends não deu certo. Torço para estar errado, mas torço mais ainda que Inafune não repita seus erros.
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